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O papo da atenção

O que é atenção? Atenção é atenção, ué, prestar atenção em alguma coisa. É óbvio, não é? “Preciso prestar atenção nessa aula”, diz o estudante. “Filho, presta atenção no que estou falando”, pede um pai.

Atenção é um conceito presente no nosso cotidiano e por isso totalmente intuitivo. Mas, ninguém sabe muito bem o que acontece no nosso cérebro quando se orienta a atenção para alguma coisa, aliás nem os cientistas entenderam todo o processo.

Quando você lê esse texto você está orientando a sua atenção voluntariamente para ele. Mas se passar um daqueles carros de som na rua, é bem provável que você pare de prestar atenção no que está lendo para prestar atenção no carro, mesmo que não tire os olhos da tela do computador. É o que acontece, por exemplo, quando seu filho adolescente está te olhando enquanto você fala com ele, mas está pensando em qualquer outra coisa. Olhar, não significa prestar atenção. Então não adianta pedir para o seu filho ou aluno olhar para você, ele deve é prestar atenção no que você fala, mas isso quem é pai ou professor já sabia.

Escrevi tudo isso para você perceber que se não se presta atenção em alguma coisa é como se ela não existisse, como bem diz meu ex-orientador. E esse é o pulo do gato!

Vamos voltar para o nosso exemplo da conversa com o filho. Existem grupos de neurônios no cérebro que codificam faces, aliás a especificidade é tão alta que existem grupos de neurônios que disparam especificamente para a face do seu filho. Mas quando você conversa com ele, outros objetos ou outras faces sempre estão no mesmo ambiente e mesmo assim, dependendo do assunto da conversa, você não é capaz de perceber esses outros objetos. Isso acontece porque quando você orienta a atenção para a face do seu filho, aqueles neurônios específicos disparam mais do que quando você não orienta a atenção. Se você passa a prestar atenção na sua irmã, o grupo de neurônios que codifica a face dela é que dispara mais. Por isso se diz que quando se orienta a atenção para um determinado estímulo (face, objeto), este tem prioridade no processamento. Agora dá pra entender porque você não é capaz de se lembrar de uma aula se estava conversando com seu amigo. Porque se você não presta atenção, a aula não terá prioridade no processamento, é como se ela não tivesse acontecido. E consequentemente o que foi falado não é armazenado na memória.

Para terminar, existem inúmeros fatores que influenciam a orientação da atenção, sono, fome, objetivo da tarefa, idade, experiência prévia e as minhas preferidas: motivação e emoção. Então, se o papo aqui estiver tão, tão legal, você não vai parar de prestar atenção na leitura mesmo que passem 100 carros de som ao mesmo tempo na rua. Se a sua aula estiver muito, muito interessante, ela pode durar muito tempo e o seu aluno vai prestar atenção. Por isso não gosto dessa discussão sobre quanto tempo a aula deve durar. É claro que não dá pra durar o dia todo, claro que a orientação da atenção vai flutuar mesmo com motivação alta, mas não acho que seja possível definir um número mágico de duração da aula. Agora, como deixar sua aula interessante e aumentar a motivação dos estudantes do ponto de vista das neurociências é outro papo...

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