Pular para o conteúdo principal

O papo de que a gente aprende enquanto dorme

Até terminar o Ensino Médio eu valorizava muito o meu sono. Eu não sabia muito bem dos seus benefícios, mas percebia que quando não dormia, não conseguia ter o mesmo desempenho na escola. Como eu era bem chata com os meus estudos, fazia questão de dormir bem. Mas quando entrei na faculdade, eu não tinha muito tempo para estudar. Eu estudava longe de casa, perdia muito tempo no trânsito e a quantidade de coisas que eu tinha que estudar era insana. Então, dormia pouco. Um dia resolvi passar a noite estudando pois tinha a prova final de uma disciplina no dia seguinte. Eu me lembro bem desse evento porque foi a única vez que fiz isso e a única vez que não passei na prova. Não estou dizendo que o fato de eu não ter dormido foi o único motivo para o meu péssimo desempenho, mas com certeza sua contribuição foi significativa. Isso porque dormir é essencial para aprender, para formar as nossas memórias! 

Antes de explicar o porquê dessa importância eu tenho que te explicar o que acontece no cérebro quando dizemos que a memória foi formada ou consolidada. Quando você olha para um objeto, grupos de neurônios disparam. Por exemplo, como eu já escrevi aqui no blog, existem neurônios especializados em faces, ou seja, eles disparam quando você vê faces. E quando você vê aquela face várias e várias vezes, o grupo de neurônios que a codifica dispara várias e várias vezes. Essa repetição desencadeia vários mecanismos que fortalecem a comunicação entre esses neurônios.  Estar forte significa que uma memória foi formada, que você lembrará que já viu aquela face antes. Então, se aquela informação vista for muito importante, como o nome daquele cara que você gostou, ou se aquela informação for repetida muitas vezes (e se você prestar atenção nessa repetição), o grupo de neurônios que representa aquela informação vai ser fortalecido, e então você vai se lembrar dela. 

E o que o sono tem a ver com tudo isso? As pesquisas têm mostrado que esses mecanismos que fortalecem o grupo de neurônios também acontecem quando a gente dorme. E não adianta dormir só um pouquinho porque as diferentes fases do sono que temos ao longo de uma noite inteira são importantes para que as memórias sejam formadas e para que o que não tem importância seja esquecido. 

Mas se esse fortalecimento do grupo de neurônios acontece também quando estamos acordados, qual a diferença de quando estamos dormindo? Posso continuar dormindo minhas 4 horinhas que está ótimo, não é? Então, esse processo de formação de memória parece ser bem importante quando dormimos. Haveria um benefício devido à diminuição da entrada sensorial durante o sono. Quando estamos dormindo, os estímulos do ambiente são atenuados. Por isso você não acorda com qualquer barulhinho, tem que ser algo forte para te acordar. E ainda dependendo da fase do sono essa atenuação pode ser mais fraca ou mais forte. Então, imagina se não é mais fácil organizar a formação das memórias quando não tem muita coisa atrapalhando. Quando a família está toda em casa é difícil arrumá-la, quando tem criança junto então…você arruma um cômodo a criança bagunça o outro. É a mesma coisa quando dormimos, é mais fácil organizar a formação das memórias sem ter criança bagunçando o que já foi arrumado, sem ter sons diferentes sendo processados junto do processo todo.

E aí, depois desse papo, será que seu sono consegue ocupar um espacinho maior aí na sua agenda?


Para saber mais:

Ribeiro S, Mota-Rolim SA. Bases biológicas da atividade onírica. In: Pinto-Júnior LR (Org.). Sono e seus transtornos-do diagnóstico ao tratamento. 1 edição. São Paulo: Atheneu; 2012. Cap. 17;201-227.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O papo da atenção

O que é atenção? Atenção é atenção, ué, prestar atenção em alguma coisa. É óbvio, não é? “Preciso prestar atenção nessa aula”, diz o estudante. “Filho, presta atenção no que estou falando”, pede um pai. Atenção é um conceito presente no nosso cotidiano e por isso totalmente intuitivo. Mas, ninguém sabe muito bem o que acontece no nosso cérebro quando se orienta a atenção para alguma coisa, aliás nem os cientistas entenderam todo o processo. Quando você lê esse texto você está orientando a sua atenção voluntariamente para ele. Mas se passar um daqueles carros de som na rua, é bem provável que você pare de prestar atenção no que está lendo para prestar atenção no carro, mesmo que não tire os olhos da tela do computador. É o que acontece, por exemplo, quando seu filho adolescente está te olhando enquanto você fala com ele, mas está pensando em qualquer outra coisa. Olhar, não significa prestar atenção. Então não adianta pedir para o seu filho ou aluno olhar para você, ele deve ...

O papo do beijinho pra sarar

Acho que pelo menos uma vez por semana eu digo: “Machucou, filha? Vem aqui que eu vou dar um beijinho para sarar”. Eu já disse isso tantas vezes, que a minha filha brinca que um de seus bonecos bateu a cabeça e me pede para beijá-lo. Eu tenho certeza que você também já disse algo do tipo, e se não disse, é provável que ainda vá dizer. E aí, o beijo sara? Eu diria que sim, se não sara, ao menos diminui a dor.  Quando você bate o dedo na cama, ou encosta a mão na panela muito quente, por exemplo, são ativados neurônios de dor que vão da sua pele até o sistema nervoso central. Lá esses neurônios liberam um neurotransmissor (aquela substância química que expliquei no “Papo dos papos dos neurônios”. É liberando essas substâncias que os neurônios conversam) que pode ativar um segundo neurônio, assim os neurônios seguintes continuam liberando neurotransmissores e você sente dor. Lembra que existem neurotransmissores que ativam e outros que inibem o neurônio seguinte? Pois é, e semp...

O papo dos dois litros de água

Nós temos que beber dois litros de água por dia, não é? Assim nós mantemos o nosso corpo hidratado e lavamos as toxinas. Todo mundo sabe disso, certo? Eu sempre acreditei nisso e me entupia de água acreditando que estava me fazendo um bem. Até fazia um cálculo de quanto de água deveria beber a cada tanto tempo para completar os dois litros no dia. Até que na faculdade, após uma aula de fisiologia renal, fiquei com uma pulga atrás da orelha e perguntei ao meu professor, que é um pesquisador importantíssimo na área, se esse papo dos dois litros era verdade. Ele me respondeu que só bebia água quando tinha sede. Mas esse papo era tão forte pra mim que eu continuei bebendo toda essa água, mesmo após “O  cara” da fisiologia renal ter me respondido daquela forma. Não me canso de me impressionar como esse conhecimento social é louco, como o que a gente aprende em casa pode ser muito mais forte do que o que se aprende na escola. Eu só fui questionar essa ideia dos dois litros novamente...