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O papo dos neurônios na decisão de tirar a fralda


Aqui em casa estamos em um processo de desfralde. Eu e meu marido na posição de incentivar, tomando cuidado para não pressionar nossa filha, e ela na posição de decidir tirar a fralda. Há alguns meses estávamos nesse processo sem muito sucesso, algumas vezes parecia que ela se animava, mas depois voltava atrás. Até que ontem minha filha tirou a fralda e disse que não ia mais usá-la, e até agora está seguindo firme na decisão. Então parece que entramos oficialmente na fase das calças molhadas e corridas até o banheiro.
E aí, como minha filha tomou essa decisão de tirar a fralda? Há meses oferecemos o banheiro para ela aqui em casa, no shopping, na casa dos avós. Algumas vezes ela se interessava, outras não. Começando a traduzir isso em linguagem de neurônio, ela teve uma série de estímulos, algumas vezes eles foram suficientes para desenvolver a resposta de decidir ir ao banheiro, outras vezes não. É claro, que quando falamos de tomadas de decisão dessa complexidade, não dá pra falar de 2 ou 3 neurônios, mas sim de redes de neurônios, uma brigando com a outra para ver quem ganha. Mas para simplificar bem o assunto, vamos traduzir tudo em uma conversa de poucos neurônios.
Imagine que eu tenha um neurônio que quando se ativa representa a ida ao banheiro. E o que é ativar um neurônio? É fazer com que potenciais de ação sejam deflagrados nele. Oi? Potencial de ação é a linguagem do neurônio, é como se fosse um código. Dependendo da frequência de seu disparo, ou seja, se ele dispara mais ou menos vezes naquele intervalo de tempo, mensagens diferentes são enviadas. É assim que o nosso cérebro reconhece quando alguém pressiona o dedo com força contra sua mão, se a pressão for fraca, o neurônio dispara menos vezes, se a pressão for alta, o neurônio dispara mais vezes. Então, no nosso exemplo do banheiro, o ato de ir até ele é executado quando aquele nosso neurônio dispara potenciais de ação com uma certa frequência, quando ele diz na linguagem de neurônio que está na hora de ir ao banheiro.
E quem manda esse neurônio do banheiro disparar? Muitos outros neurônios. O neurônio da mãe oferecendo a privada ou o penico, o neurônio do pai fazendo o mesmo, o neurônio do medo ou insegurança da filha, entre outros neurônios. Acontece que o neurônio da mãe e do pai oferecendo o banheiro libera neurotransmissores (lembra aquela substância química do “papo do papo dos neurônios”?) que incentivam o neurônio do banheiro a disparar potenciais de ação. E o neurônio da insegurança libera neurotransmissores que inibem o neurônio do banheiro a disparar potenciais de ação. Enquanto o neurônio da insegurança liberar mais neurotransmissores do que os neurônios do pai e da mãe, o neurônio do banheiro vai ser inibido, não vai disparar potenciais de ação e minha filha não vai ao banheiro sozinha. Agora quando o neurônio da insegurança libera menos neurotransmissores, os neurônios da mãe e do pai têm mais chances de ganhar e de ativar o neurônio do banheiro. Quando isso aconteceu, minha filha tirou a fralda e foi até o penico sozinha.
Como eu já disse, em uma tomada de decisão complexa como essa, redes e mais redes de neurônios estão envolvidos e não apenas três. E outros processos também estão envolvidos, como aprendizagem, que podemos falar em ou outro papo. Mas essa briga de tipos diferentes de neurotransmissores que ativam ou inibem outros neurônios é o que acontece o tempo todo no nosso cérebro. Para se tomar qualquer decisão, seja se eu vou beber água, seja se é melhor ativar mais um músculo e não outro para conseguir pegar o celular (o que não depende da sua consciência), essa briga sempre, sempre existe.  Agora por que minha filha foi tão decidida, tirou a fralda e foi até o penico e se manteve na decisão, enquanto para outras pessoas tomar uma decisão é quase impossível? Aí vai do jeito de cada um, vai dos estímulos que cada um recebe naquele momento, dos neurônios que entraram pra briga, ou resumindo, vai do cérebro de cada um.

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