Pular para o conteúdo principal

O papo das “fake news” e um pouco de pesquisa científica sobre o tema


Preguiça de raciocinar! É o que um artigo recente sugere sobre o fato de acreditarmos nas “fake news”. Você sabe o que é isso né? Sabe, aquelas fotos acompanhadas por uma frase que sempre aparecem nas redes sociais? Ou artigos escritos por sei lá quem, longos textos que têm aparecido cada vez mais por aí... Muitas dessas informações são falsas, são as chamadas “fake news”. E com essa briga toda na política, tudo isso aumentou ainda mais e as pessoas compartilham essas notícias como se fossem verdade, sem nenhum tipo de verificação.

Antes de encontrar esse artigo que citei acima, fiquei me perguntando o que leva todo mundo a acreditar em quase qualquer notícia que aparece. A primeira coisa que me passou pela cabeça foi que a pessoa que se identifica com determinado candidato tende a não acreditar nas notícias falsas que prejudiquem a imagem dele. Imaginei que seria semelhante a alguém chegar te falando que aquele seu grande amigo que é honesto e estudioso colou na prova. Com certeza você não acreditaria nisso logo de cara, iria checar a informação, afinal você gosta dele, o conhece, e até então o cara nunca tinha colado.

Só que a coisa nunca é tão simples. Então resolvi fazer uma busca no PubMed (um banco de artigos científicos publicados em revistas especializadas, que passam por um processo de análise realizado por outros cientistas da área antes de serem publicados) com o termo “fake news”. Um artigo bem recente me chamou a atenção porque trazia como parte do título: “Preguiçoso, não tendencioso”.  
Esse estudo conduzido por cientistas da Yale University discute que uma das hipóteses para explicar como as pessoas acreditam nas “fake news” seria que a pessoa teria um julgamento tendencioso devido a sua polarização política. Ainda, pessoas com melhor raciocínio analítico seriam mais polarizadas pois utilizariam desse raciocínio para justificar suas escolhas políticas. Assim, tenderiam a acreditar em notícias falsas se elas estiverem de acordo com sua ideologia. Para quantificar esse raciocínio analítico os autores utilizaram um teste chamado CRT (Cognitive Reflection Test). Para a gente ter uma ideia do que é esse teste (a gente porque eu também não o conhecia), uma das perguntas diz:

Uma raquete e uma bola custam no total $1,10. A raquete custa $1,00 a mais do que a bola. Quanto custa a bola?

A resposta intuitiva, segundo os autores, é que a bola custa $0,10. Mas se você pensar bem, nesse caso a raquete custaria $1,10 e o total seria $1,20. As respostas intuitivas indicariam que o participante não refletiu o suficiente sobre a sua resposta. Várias respostas como esta sugerem uma falta de raciocínio analítico. O interessante é que os autores encontraram que a capacidade de julgar a veracidade das notícias não está relacionado a tendência política da pessoa, a polarização dessa pessoa, mas sim com o seu raciocínio analítico. Ou seja, se você se identifica com certo partido, não é que você vai acreditar nas notícias falsas relacionadas a sua ideologia política. Você vai acreditar em notícia falsa se você não realizar um raciocínio analítico sobre elas, ou seja, segundo os autores se você for preguiçoso. Então, não sejamos preguiçosos!!!

Eu sei que este é apenas um artigo, e suponho que não é apenas isso que vale. Apesar do experimento aparentemente ter sido desenvolvido com cuidado, não podemos concluir toda a nossa vida de acordo com apenas um artigo. Aliás, os próprios autores apontam limitações (porque SEMPRE há limitações e não porque o artigo é ruim), como o teste realizado, o CRT. Eles discutem que uma possível crítica seria que este teste analisaria mais respostas matemáticas e não o raciocínio analítico de maneira geral. Mas acho que mesmo assim, esse resultado é interessante para a gente refletir sobre o que acreditamos na internet, para ficar como um alerta para todos nós. Como eu já disse aqui no blog, não tem como você e seu amigo perceberem o mundo da mesma forma (O papo do “Como você consegue achar aquele cara bonito?”). Mesmo não acreditando em “fake news” cada um pode se identificar com candidatos diferentes porque certas características daquele candidato combinam mais com o que você acredita. O nosso julgamento sempre depende das nossas memórias, das nossas emoções, ou seja, de quem nós somos. Mas mesmo percebendo o mundo de formas diferentes, por favor, tenha certeza da veracidade das notícias antes de utilizá-las para tomar sua decisão, e principalmente antes de sair compartilhando por aí.

P.S. Se você quiser saber mais, e o inglês não for um problema para você, a busca no PubMed mostrou 142 artigos. Alguns falam de “fake news” relacionadas a área médica e outros de política. Bem interessante!

Referência:
Pennycook G, Rand DG. Lazy, not biased: Susceptibility to partisan fake news is better explained by lack of reasoning than by motivated reasoning. Cognition. 2018 (In Press).

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O papo do beijinho pra sarar

Acho que pelo menos uma vez por semana eu digo: “Machucou, filha? Vem aqui que eu vou dar um beijinho para sarar”. Eu já disse isso tantas vezes, que a minha filha brinca que um de seus bonecos bateu a cabeça e me pede para beijá-lo. Eu tenho certeza que você também já disse algo do tipo, e se não disse, é provável que ainda vá dizer. E aí, o beijo sara? Eu diria que sim, se não sara, ao menos diminui a dor.  Quando você bate o dedo na cama, ou encosta a mão na panela muito quente, por exemplo, são ativados neurônios de dor que vão da sua pele até o sistema nervoso central. Lá esses neurônios liberam um neurotransmissor (aquela substância química que expliquei no “Papo dos papos dos neurônios”. É liberando essas substâncias que os neurônios conversam) que pode ativar um segundo neurônio, assim os neurônios seguintes continuam liberando neurotransmissores e você sente dor. Lembra que existem neurotransmissores que ativam e outros que inibem o neurônio seguinte? Pois é, e sempre t

O papo dos neurônios na decisão de tirar a fralda

Aqui em casa estamos em um processo de desfralde. Eu e meu marido na posição de incentivar, tomando cuidado para não pressionar nossa filha, e ela na posição de decidir tirar a fralda. Há alguns meses estávamos nesse processo sem muito sucesso, algumas vezes parecia que ela se animava, mas depois voltava atrás. Até que ontem minha filha tirou a fralda e disse que não ia mais usá-la, e até agora está seguindo firme na decisão. Então parece que entramos oficialmente na fase das calças molhadas e corridas até o banheiro. E aí, como minha filha tomou essa decisão de tirar a fralda? Há meses oferecemos o banheiro para ela aqui em casa, no shopping, na casa dos avós. Algumas vezes ela se interessava, outras não. Começando a traduzir isso em linguagem de neurônio, ela teve uma série de estímulos, algumas vezes eles foram suficientes para desenvolver a resposta de decidir ir ao banheiro, outras vezes não. É claro, que quando falamos de tomadas de decisão dessa complexidade, não dá pra fa