Você
já deve ter lido em vários lugares que determinada coisa estava ou não
cientificamente comprovada. “Não foi cientificamente comprovado, mas existem
evidências de que micro-ondas pode causar câncer”.
Eu
não tenho a menor ideia do que significa ser cientificamente comprovado, aliás,
essas palavras me dão nos nervos. Tudo bem, estou exagerando, cientificamente
comprovado significa que um grupo de cientistas testou e comprovou que
funciona, certo? É totalmente possível que esse teste aconteça, mas como se
comprova que algo funciona?
Um
cientista trabalha com hipóteses, ou seja, ele pode querer saber se um
medicamento diminui os níveis de colesterol no sangue. Um grupo de voluntários
será selecionado (sim voluntários, porque no Brasil não é permitido pagar para
ninguém fazer experimento nenhum, é possível no máximo pagar por certas despesas
que o voluntário tenha tido, como almoço ou transporte) e então certa dosagem
desse medicamento será aplicada por um certo período de tempo. Em testes
clínicos é necessário selecionar um outro grupo de voluntários, com as mesmas
características do primeiro grupo, que receberá uma solução salina ou um
comprimido sem qualquer medicamento, denominado grupo placebo. Por que
precisamos desses dois grupos? Porque uma pessoa pode apresentar certa melhora
apenas por acreditar que está recebendo o medicamento, ou por se sentir bem
cuidada. Então, se os dois grupos melhoraram, o medicamento não produziu
efeito, mas sim os outros fatores envolvidos durante o teste.
Como
avaliar se o colesterol diminuiu igualmente nos dois grupos? Ué, tira uma média
do grupo 1 e compara com a média do grupo 2. Sim, mas o que é igual? Digamos
que o colesterol do grupo 1 diminuiu em 15 mg/dL e o do grupo 2 diminuiu em 13
mg/dL. Esses números são diferentes, mas muito próximos. Para um cientista
“decidir” se os resultados de um grupo são diferentes do outro, ele realiza uma
análise estatística dos dados.
Olha
só, vamos considerar este grupo placebo:
GRUPO
PLACEBO
|
Dosagem do colesterol ANTES do placebo (mg/dL)
|
Dosagem do colesterol DEPOIS do placebo (mg/dL)
|
Voluntário 1
|
220
|
220
|
Voluntário 2
|
250
|
240
|
Voluntário 3
|
240
|
250
|
Voluntário 4
|
260
|
250
|
Média
|
242,5
|
240
|
E
este grupo que recebeu o medicamento:
GRUPO
|
Dosagem do colesterol ANTES do medicamento (mg/dL)
|
Dosagem do colesterol DEPOIS do medicamento (mg/dL)
|
Voluntário 1
|
220
|
190
|
Voluntário 2
|
250
|
200
|
Voluntário 3
|
240
|
180
|
Voluntário 4
|
260
|
190
|
Média
|
242,5
|
190
|
Nesta
situação você diria que o medicamento funcionou porque o colesterol diminuiu
bastante no grupo que recebeu o medicamento para quase todos os participantes, e não só na média, certo?
Agora
considere o mesmo grupo placebo, mas este outro grupo que recebeu o
medicamento:
Situação
2
GRUPO
|
Dosagem do colesterol ANTES do medicamento (mg/dL)
|
Dosagem do colesterol DEPOIS do medicamento (mg/dL)
|
Voluntário 1
|
220
|
160
|
Voluntário 2
|
250
|
250
|
Voluntário 3
|
240
|
90
|
Voluntário 4
|
260
|
260
|
Média
|
242,5
|
190
|
Nesta
situação, você diria que o medicamento funcionou? Agora já complicou né? As
médias do antes e depois também são diferentes, mas cada voluntário responde de
um jeito, ou seja, a variabilidade dentro de cada grupo é alta. E agora? Por
isso precisamos fazer uma análise estatística. Ela avalia se a diferença
encontrada entre os grupos é importante dependendo da variabilidade dentro de
cada grupo. Ou seja, não adianta nada as médias de cada grupo antes e depois do
medicamento serem muito diferentes se os dados dentro do grupo variam muito.
Mas
a análise estatística não resolve todos os problemas. Sempre vai ter uma
pequena possibilidade daqueles resultados não serem verdadeiros porque é
possível que eles tenham acontecido apenas naquele momento do teste, para o
pequeno grupo testado, ou para apenas aquele ambiente. Por isso, o cientista
tem que descrever direitinho em que condições aquele experimento foi realizado
nos artigos que ele publica em revista especializada. É por isso também que
muitos e muitos testes devem ser realizados antes de um medicamento passar a
ser receitado pelos médicos.
Não
estou querendo dizer que os experimentos não provam nada, mas sim que seus
resultados devem sempre ser interpretados com cautela, sempre. E é legal saber
disso para que você seja crítico na hora que estiver ouvindo um papo sobre uma
pesquisa que tenha sido realizada, e principalmente para ter cuidado na hora de
sair espalhando o papo por aí.
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