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O papo da memória

Quando decidi escrever sobre memória me lembrei que uma vez precisei escrever um longo texto sobre isso em um concurso. Foram momentos estressantes, me preocupava se conseguiria terminar a tempo e se conseguiria escrever tudo o que a banca julgava necessário. Mas eu estava grávida e de vez em quando sentia uns chutes na minha barriga, e para mim, naquele momento, era como se a minha filha dissesse: “Vai, mamãe!”. 

Acredito que tanto pelo estresse como pelos chutes, aquele momento da prova se tornou importante o suficiente para que uma memória de longo prazo fosse formada. Longo prazo, porque isso aconteceu há alguns anos. Mas quando essas memórias são formadas elas não ficam armazenadas em uma estrutura específica do cérebro. Quando a gente ouve falar de casos em que alguém sofreu um acidente fica parecendo que tem uma área especial no cérebro que guarda as memórias de longo prazo. Mas na verdade, o que se considera hoje é que as memórias estão distribuídas por várias regiões do nosso cérebro. O que acontece nesses acidentes é que se lesiona regiões responsáveis pelo processo de formação da memória, por exemplo. 

Até onde eu sei não tem nenhuma lesão no meu cérebro e no entanto não me lembro do que almocei ontem. Você também? É porque existem alguns (muitos) fatores que influenciam a formação da memória. Um deles é a atenção. Você tem que prestar atenção em uma determinada informação para que haja uma possibilidade de se lembrar dela depois, mas isso você já sabia. O interessante é que do mesmo modo que precisamos prestar atenção para que novas memórias possam ser formadas, o caminho oposto também é verdadeiro, as nossas memórias influenciam no que iremos prestar atenção. Imagine que você está em um papo super legal trocando mensagens no celular e alguém te chama pelo nome ou começa a contar o que aconteceu naquele dia, assim do nada, sem falar o seu nome primeiro. É mais provável que você preste atenção no que a pessoa começou a dizer se ela disser seu nome primeiro, certo? Porque o nome é algo extremamente forte, você o ouviu a vida inteira. Ou seja, temos um caso da memória (do seu nome) influenciando a orientação da atenção. Então, para quais informações você orienta a atenção depende de suas experiências anteriores, depende do que você é.

Agora para você professor, sabe aquele papo de que se deve considerar o conhecimento prévio do aluno para elaborar uma aula? Sabe aquele papo de que temos que considerar o contexto daquele aluno, como é a vida dele? Pois é, se o modo como se orienta a atenção é influenciado pelas memórias de cada um, e se atenção é importante para aprender, então é necessário mesmo considerar isso tudo. Ou seja, além de muito pesquisador importante da área da Educação falar disso há muito tempo, o processo de formação de memória e orientação da atenção também estão de acordo com essas ideias. Mais um motivo para considerá-las quando for elaborar suas aulas.

Você percebeu que eu acabei escrevendo sobre atenção de novo né? Pois é, eu poderia falar uma infinidade de coisas sobre memória, mas eu arrumei um jeito de colocar atenção na jogada. Eu não consigo evitar, atenção é a primeira coisa que sempre me vem à cabeça, e é porque eu gosto, e muito. Emoção é outro fator que influencia tanto a formação da memória como o que você consegue se lembrar. Com toda certeza você vai se lembrar da terça-feira que você descobriu que tinha passado no vestibular, mas daquela terça-feira que você leu o texto novo aqui do blog eu já não sei. Eu também não sei se você vai se lembrar da minha descrição do dia do concurso, mas eu sei que eu sempre vou me lembrar do “Vai, mamãe!”. 


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